─ Juju!
─ Fala, Juli.
─ Jujuuuuuuuuuu!!!!
─ Menina, para com isso. Diz o que você quer dizer duma vez.
─ NÓS SOMOS IRMÃS!!!
─ Claro que somos - explica Juliana.
─ ....
─ Vivemos uma na casa da outra, sua mãe se considera como minha mãe e a minha mãe considera você como filha dela. Entendeu?
─ Jujuzinha do meu coração, ‘prest’enção’. Irmãs moram na mesma casa, floooor!
─ Tá me zoando, Julieta??? Que papo é esse??
Antes que Julieta pudesse prosseguir com a sua teoria, o pai de Juliana passa com o carro avisando que a quer em casa dentro no máximo 5 minutos. Como a menina sempre fora obediente, pediu ao pai que parasse o carro, pois aproveitaria a carona. Juliana ofereceu carona à amiga, que recusou.
─ Não somos irmãs, você não é obrigada a me dar carona. Pode ir com teu papaizinho. Vou pra casa caminhando.
─ Poxa, Juli, não tô entendendo essa agora...
Julieta se levanta em sai para o caminho aposto. Precisava colocar as idéias em ordem. Não entendia porque a amiga de anos, a melhor amiga, tinha um pai tão presente e ela não. Sentia um pouco de inveja. Ela só queria se sentir parte de uma família. Uma família que fosse completa.
Após a caminhada, chegou em casa por volta das 19hs. Rita, sua mãe, dificilmente determinava hora para que a filha voltasse para casa. Sabia que tinha criado uma garota ajuizada, que falava pelos cotovelos, porém ajuizada. Julieta nasceu quando Rita ainda estava no Ensino Médio. Deveria ter por volta dos 16 ou 17 anos. Jamais pensara em abortar. Desde o primeiro dia em que soube da gravidez, dizia que teria o bebê mais lindo e falante do mundo.
Logo que Rita se mudou para Campinas, conheceu Vera. Vera era a mão de Juliana e vivia com seu namorado, Lamartine, quando a menina nasceu. O casal se amava, apesar das freqüentes brigas ocasionadas pelo ciúme doentio de Vera. Rita se mudara para a cidade paulista por conta do trabalho de pai, que exigia constantes viagens.
─ Mãe, você acha que eu e a Juju somos parecidas? – questiona Julieta.
─ Parecidas no quê, filha?
─ No nariz e nos olhos. Só que o cabelo dela é liso e o meu cacheado. Aliás...
─ Aliás, a senhorita tem que estudar para prova de biologia. Já pro quarto!
Julieta resolveu então desabafar no seu diário.
“Querido diário, só você me entende. Eu só queria ter um pai. Esses dias eu ouvi a vó dizendo que não agüentava mais guardar um segredo e que logo, logo ia me levar para conhecer Porto Alegre. O pai da Jujuba é gremista. Certo que deve ter alguma coisa a ver. Só não sei por que ela quer me levar para o Rio Grande do Sul se o cara ta aqui. É nosso vizinho!!!!!”
Após o desabafo, a menina começa a estudar para a prova mais importante. Precisava tirar uma boa nota para que a mãe não a cobrasse tanto. De repente, ouve um barulho de discussão vindo da sala. Resolve ir até lá e vê Vera chorando aos prantos.
─ Dona Vera, aconteceu alguma coisa com a Ju? – questiona Julieta.
─ Ai, querida, volta pro teu quarto. Isso é conversa de adulto.
─ Mas Dona Vera...
─ Rita, diz alguma coisa pra essa menina. Ela não tem que ouvir essas safadezas.
─ Filha, por favor... – diz Rita.
Julieta volta para o quarto e deixa a porta entreaberta.
─ Ai, Rita, eu sabia que ele era um cachorro. Já tinham me avisado que ele não era boa coisa. – desabafa Vera.
─ Tá, mas o Lamartine é um homem tão bom. Super dedicado à menina.
─ O Lamartine é ótimo!
─ ...
─ É o pai verdadeiro da Juliana, Rita! Tá me extorquindo. Quer que eu pague uma pensão pra ele. Eu agüento isso?? Se eu não pagar, disso que vai tentar tirar ela de mim.
─ Mas quem é esse infame?
─ Lembra que fui passar umas férias lá na sua cidade?
─ Lembro sim. Não me diga que...que..que...o safado é de lá?
─ ...
─ Mas tu também hein? E o Lamartine já sabe disso?
─ Nem sonha. Fui de férias só com as meninas. Aconteceu. Apaixonei-me, me deixei envolver pelo cretino. Quando voltei e fiquei sabendo que estava grávida, o Lamartine já escolheu o nome e ainda cantava aquela música...aquela...Jou Jou Balangandans. Sempre que a Ju tá triste, ele começa a cantarolar. Desde criança. Sempre foi assim.
A filha de Rita, muito esperta, encontrou a peça que faltava para fechar seu quebra-cabeça. A avó falara em Porto Alegre e a mãe de sua melhor amiga também. Ficara tão feliz com a descoberta que se desconcentrou e perdeu o fim da conversa. Só se deu conta quando Rita fechou a porta e a chamou na sala.
Rita chorava e tremia muito.
─ Julieta!
─ Mãe, que foi?
─ Nessa semana de provas, vais ficar na casa dos teus avôs.
─ Por quê?
─ Guria, não discute! NÃO DISCUTE. Vai arrumar tuas coisas. Eu vou viajar. Na ida pro aeroporto, te deixo na casa do pai e da mãe.
─ Mas, mãe...
─ Juli, tu sempre me obedeceste. Não vai dificultar agora.
Na chegada a Porto Alegre, Rita segue do aeroporto direto ao hotel. Lá, procurava de todas as formas onde poderia estar morando Daniel. Sabia que ele não tinha saído da cidade, mas não fazia idéia de que bairro ele estaria. Depois de tantos anos, encontrou seu perfil numa rede de relacionamentos da internet. Não se surpreendeu ao ver que ele continua morando na casa dos pais.
Rita alugara um carro para se locomover com mais facilidade. Foi até a zona sul da cidade, onde se conheceram e que Daniel morava. Lembrava direitinho do caminho. A cidade tinha mudado muito naquela região. Supermercado e até shopping novo. Seguiu o carro recordando que havia sido feliz naquele lugar. Sentia saudade do pôr-do-sol do Guaíba. Sentia saudade de ir aos jogos no Beira-Rio. Sentia saudade até do Fogaça.
─ Quem é?
─ Daniel, sou eu, a Rita. Abre a porta.
─ Rita?! O que tu tá fazendo aqui? – indagou Daniel.
─ Me deixa entrar. Tenho um assunto importante pra tratar contigo.
Rita contou-lhe sobre a filha. Disse que a mudança para Campinas fora tão súbita que resolveu omitir a gravidez. Sabia que Daniel era mulherengo e envolvia-se com diferentes pessoas. Mostrou-lhe várias fotos de Juliana e Julieta juntas.
─ Tu pariu umas gurias tão belas.
─ Idiota, a da direita é a Julieta, a MINHA filha.
─ E a outra?
─ A outra é a Juliana, filha da Vera.
─ Co-nhe-ce a Ve-ra? – guaguejou Daniel.
─ Tu ainda tem alguma dúvida?
─ Trouxe as fotos das gurias pra tu ver e se contentar com isso.
─ Quer dizer então que eu tenho duas filhotas? – disse Daniel com os olhos lacrimejantes.
─ Tu tens é duas...duas...duas sei lá o quê. Tu não tens nada. Não filha nenhuma e nem caráter. Vou te mandar um dinheiro pra tu parar de incomodar. As gurias tão muito bem sem ti!
Dias depois, toca o telefone na casa de Rita.
─ Alô! – atende Julieta.
─ A Rita está? – diz a voz.
─ Está sim. – responde Julieta, enquanto chama a mãe.
─ Alô, quem está falando? – pergunta Rita.
─ Olha só, não precisa mais me mandar dinheiro. Arranjei um emprego.
Rita começa a chorar de alívio. Julieta se aproxima da mãe e diz que ela é a melhor mãe do mundo. A menina dá um abraço tão apertado, que as lágrimas agora passam a ser de felicidade. Julieta dá mais um beijo na mão e diz que vai ser arrumar para passar na casa de Juliana.
─ Dona Vera, a Jujuba tá em casa?
─ Ta sim, vai entrando.
─ Juuuuuuujuuuuuuu!!!! – exclama Julieta ao ver a amiga.
─ Qual o motivo de tanta felicidade?
─ Porque você é minha irmã...
Vera esbugalha os olhos ao ouvir à frase de Julieta.
─ De novo essa história? – retruca Juliana.
─ ...a irmã que eu escolhi!
─ Isso foi o que eu sempre te falei, garota! Você é a minha Jou Jou Balangandans, que nem o pai diz!
E as duas sobem para o quarto de Juliana, enquanto Vera continuava os afazeres domésticos.