COBERTO DE FARRAPO

Espaço para juntar retalhos e vestir personagens de alguns contos.

Ela sempre ouvia da mãe que deveria fazer um bom casamento. O pai tinha falecido quando ainda era criança. Pouco se recordava dele. Além das fotos, Antônia só sabia que seu que ele era um amante da boêmia. Não entendia como sua mãe, tão religiosa, poderia ter se rendido aos encantos de Manoel.

Luíza, quando jovem, vivia fazendo promessas ao santo casamenteiro. Sempre rezara a Santo Antônio por um marido de posses. Um marido que lhe desse toda a segurança que ela sempre acreditou que uma mulher necessitasse. Casa luxuosa, empregados por todos os aposentos, lindas jóias, roupas de grife, sapatos caros, eventos sociais importantes e amigos tão ricos ou mais.

O casal se conheceu numa igreja. Manoel estava atordoado, pois sua irmã caçula sofria de um câncer. Seu estado era terminal. Ele nunca fora muito religioso. Dentre seus vinte e poucos anos, aquela talvez tenha sido a primeira vez que entrava em tal lugar com o coração verdadeiramente aberto para Deus e sem pedir algo que fosse para si próprio.

Ele se sentou bem ao lado de Luíza, que fazia suas rotineiras orações para o santo ao qual era devota. Mesmo assim, não teve como não notar a beleza e o desespero pelo qual passava aquele que viria a ser seu futuro marido. Manoel, ainda soluçando e sem perder seus trejeitos de galanteador, perguntou à Luíza o que uma moça tão bela fazia ali. Apesar da óbvia reposta, ela titubeou e saiu correndo em direção à porta.

Enquanto descia a escada com o coração em disparada, tropeçou num galho derrubado devido à forte chuva do dia anterior. Manoel prontamente se dirigiu até a jovem e a ofereceu ajuda. Foi o momento crucial para que a bela garota, que tanto recorria a Santo Antônio, agradecesse aos céus. Ela não teve dúvidas de aquele viria a ser homem pelo qual se apaixonaria perdidamente. Ele era exatamente como sempre desejara: era filho de um influente político da cidade e freqüentava as festas da alta sociedade.

A paixão, o amor, a aprovação das famílias e, enfim, a festa de casamento. Tudo conforme Luíza sempre pensou. Seu sorriso era tão radiante que poderia iluminar a mansão em que viveria por semanas. Enquanto atendia os convidados e recebia as congratulações pela nova fase da vida, notou que há algum tempo não via seu esposo. Caminhou pelo jardim enfeitado por rosas brancas e vermelhas a sua procura. Nada. Andou mais um pouco, pensando onde o jovem poderia estar. Logo adiante avista uma peça de roupa. Era a gravata de Manoel. Aproximou o acessório do nariz para verificar se era mesmo o cheiro de seu amado. Luíza sentiu o cheiro do amado, do álcool e do perfume que as mulheres tidas como de pouco respeito utilizavam.

Seu coração disparou exatamente como no dia em que conhecera Manoel. Ela não poderia acreditar naquilo. Não no dia do seu casamento. Luíza então seguiu. Recompôs-se. Com passos firmes, seguiu adiante e viu Manoel deitado debaixo de uma árvore. Estava todo sujo e chorava. Pedia desculpas à esposa e soluçava. Ela o questionava sobre o que acontecia e ele simplesmente se calou.

Luíza o ajudou a se levantar. Podia sentir o bafo de álcool do marido. Irritada batia no rosto do amado a fim de que ele recobrasse os sentidos. Aos poucos, o jovem retomando a consciência. Pegou seu terno que estava no chão, limpou o excesso do barro com as próprias mãos e se vestiu. Tomou a gravata das mãos da mulher e andou até o lago para lavar o rosto. Luíza acompanhava a cena com os olhos cheios de lágrimas, mas resistia. Não poderia fraquejar. Não naquele momento. Não poderia entregar os pontos.

Dias após a festa, o casal parecia viver bem. Luíza ignorava o acontecido na festa. Manoel fazia o mesmo. Luíza continuava a rezar. Manoel continuava a beber. Luíza fazia compras. Manoel pagava as contas. Os fogos da paixão viravam faíscas. Até o dia em que a jovem comunicou ao esposo que carregava um bebê no ventre. Ela escolheu o nome. Manoel a questionou, dizendo que a mulher deveria parar com tanta religiosidade. Ele não suportava mais. Passou a dormir num quarto separado da casa, sonhando com os belos dias de romance antes de assumir um casamento.

Quando a menina nasceu, ambos se encheram de alegria. Parecia que Antônia viria para que o casal tivesse novamente oportunidade de ser feliz. A garota era esperta. Queria saber sobre tudo. Tinha as feições da mãe e a personalidade do pai. Luíza, ainda quando a pequena tinha por volta dos três anos, já rezava para que a filha encontrasse um bom rapaz, que além de rico, amasse-a verdadeiramente.

Certo dia, Antônia pegou um copo que seu pai havia deixado sobre a mesa. Apesar do forte cheiro, a menina começou a bebericar o resto de vodca que Manoel tinha deixado. Luíza encontrou a pequena vermelha de tanto chorar e com dificuldades para respirar. O gosto amargo e forte da bebida fez a criança se sentir sufocada.

Quando Manoel chegou a casa e viu o bilhete de Luíza avisando que ela e a filha estavam no hospital, tomou mais uns goles de sua bebida preferida e foi às ruas atrás da família. Tonto e perdido, Manoel se recordava dos dias felizes em que ainda tinha poder sobre o álcool e dava atenção à Luíza. Arrependia-se por não conseguir ser um marido e pai melhor. Andou, andou e andou. Na entrada do hospital, encontrou um velho amigo ─ que Luíza havia chamado para que a levasse ao pronto-socorro ─ e pediu que ele cuidasse de Antônia caso um dia ele não o pudesse fazer. Rodolfo disse que isso não seria necessário e que o próprio Manoel era um ótimo pai por dar tudo que uma criança precisa para viver.

Manoel colocou a mão no peito do amigo e depois no seu próprio. Queixou-se de uma forte dor no coração e na barriga. Rodolfo gritou por socorro. Manoel permaneceu no hospital por vários dias. Luíza levava a filha para visitar o pai todos os dias. Entrava no quarto, deixava Antônia e ia para a capela rezar.

Naqueles dias Manoel deu todo o carinho possível para a pequena. Rodolfo também fazia visitas regularmente. Antônia, nas horas que o pai necessitava repousar e a mãe permanecia a rezar, era distraída pelo velho amigo de Manoel. A identificação de ambos era admirável.

O falecimento ocorreu numa madrugada fria de maio. Rodolfo ofereceu todo o apoio, mas a viúva o recusou. Ela já não gostava muito da sua amizade com o falecido e muito menos de seu contato com a pequena Antônia. Mesmo sabendo do pedido de Manoel para que o amigo cuidasse da menina na sua ausência, Luíza passou a ignorar Rodolfo.

Os anos foram passando e Antônia tinha boas recordações do amigo do pai, porém perdera o contato. Ela o via na escola ─ ele dava aulas de Filosofia ─, mas apenas o cumprimentava rapidamente com medo de que a mãe suspeitasse de alguma coisa.

No entanto, de longe, Rodolfo acompanhava o crescimento de Antônia. Por seus colegas de trabalho, sabia que era uma excelente aluna e que arranjaria o homem que desejasse. Ele também sabia das dificuldades financeiras que passava com a mãe. Conseguiu uma bolsa de estudos para a jovem por debaixo dos panos. Ninguém jamais poderia saber.

E Luíza teve suas preces atendidas. Antônia estudou e se transformou numa linda mulher a ser despertar o interesse dos melhores partidos. Rodolfo, por intermédio de uma senhora que conhecia a filha de seu amigo desde criança, apresentou à Antônia um homem de posses e que há algum tempo já observava os passos da jovem. Milton se apaixonou por Antônia. Ele a amava incondicionalmente. Fazia tudo por ela. Exatamente como Luíza sonhava. Milton amava Antônia.

Os jovens se casaram numa linda cerimônia. Milton a cobria de riquezas e de um estranho amor. Mas Luíza parecia estar mais feliz que a recém-casada. Antônia sorria em agradecimento aos mimos. Ele passou a permitir saídas da esposa somente acompanha. Tinha medo que alguém roubasse suas jóias durante os passeios pelas ruas tão perigosas. Enquanto isso, a mãe aproveitava. Antônia se sentia sufocada. A viúva voltava a ter a vida que tinha quando se uniu a Manoel. E Antônia tinha a vida pedida ao santo casamenteiro: união com um homem de posses e que a amava. Só que ele a amava demais...

15 farrapos:

O erro está em querer um casamento perfeito, o que não existe. Fora que vicio de bebida é algo que acaba com a vida de uma familia.

Gostei da história. É comprida, mas nao imagino retirando nenhuma palavra. Ela está ótima assim, e completa.

Bjs!!

http://blogpontotres.blogspot.com/

E$ssa idealização do casamento , essa coisa de folhetim novelesco. faz tanta gente boa e cheia de amor e vida, achar que estar cheia de problemas. O importante não é a convenção, é o amor. Em cionvenções como essas, tudo é para os convidados; aonde penso que o que deveria ser celebrado era o amor. O mais importante é o que pensarão.
Quanto a seu conto, é isso aí, continue semeando sensibilidade na blogosfera.

abç
Pobre Esponja

bacana seu blog cara! vc escreve muito bem!! parabéns!!

curtie o texto

bom post

http://bananadae10.blogspot.com/

Realmente, nunca vi nenhum caso de um casamento perfeito, deve ser mito mesmo...
abraços!

http://wallnosekai.blogspot.com/

Eu desejo muito sucesso ao seu blog!!! Os textos são realmente bons.
Abração

Gostei do sentido final do texto: a mãe frustrada se realizando através de uma vida pouco feliz da filha.

Pois é ...
O amor e suas armadilhas.

É comprida, mas nao imagino retirando nenhuma palavra. Ela está ótima assim, e completa. [2]

Não pare nunca!
Adorei a sua arte!

perfeição é uma coisa que é muuuuito dificil de ser encontradas, até mesmo nos aparentemente perfeitos casamentos, algo tem pra barrar .rs..

legal seu blog.. parabéns

t+

Casamento perfeito realmente é dificil, mas nunca diga NUNCA não é?

Adorei o texto

Beijos, Carol

esse santo ta com defeito ein.. ou seria a mãe sempre idealizando e idealizando, deixando possibilidades de felicidade serem perdidas. Quebra o santo e deixa a coisa rolar, oras!

Caramba, estou legal de casamento, afaste de mim esse cálice rsrsrsrrssrs.
Beijos!

O grande problema é que não existe casamento perfeito. O que Luísa queria não era o casamento perfeito era o casamento com o luxo.

Quem dera todo o casamneto tivesse uma solução rápida, é quase impossível. Desculpe a demora para responder, mas vim prestigiar seu outro blog e já o linkei aqui no meu tudo bem? Beijos!

Casamento perfeito não existe.
é uma batalha diaria de conviver com egos e defeitos, mas que se der tudo certo, o casal mesmo é que sempre sai vencendo.

www.teoria-do-playmobil.blogspot.com

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