Beatriz saiu do salão de beleza, próximo ao seu escritório, balançando as mãos a fim de que suas unhas vermelhas, recém-feitas, secassem mais rapidamente. Seguia em passos acelerados ao carro do namorado, quando foi abordada por um garotinho em roupas esfarrapadas e aparência suja.
─ Moça, tem um trocado? – pergunta o menino.
─ Putz, to meio apressada. Agora não tenho nada não!
A jovem entra rapidamente no carro de Marcel. Cumprimenta-o com um singelo beijo no canto de sua boca. O rapaz arranca em alta velocidade antes que o semáforo voltasse a fechar. O casal conversa banalidades no caminho até a casa de Beatriz. Marcel, como um bom cavalheiro, elogia as unhas da namorada e repara no novo corte de cabelo.
─ Acho que vou te trancar em casa! – diz Marcel.
─ Por quê?
─ Bia, você tá sempre tão linda e cheirosa!
Beatriz sorri, agradece os elogios e se despede do rapaz com um longo beijo. Abre os portões da casa onde mora com os pais e segue para seu quarto. Liga o rádio na estação preferida e cantarola junto com o som. Enquanto separa seu pijama para tomar banho, recorda-se do menino da saída do salão de beleza.
No dia seguinte, a jovem acorda atrasada para o trabalho. Arruma-se rapidamente e nem toma café da manhã, como de praxe. Sai acelerada para pegar o ônibus que já se encontrava na parada próxima a sua casa. Após o dia turbulento ─ e sem tempo para alimentar-se corretamente ─, Beatriz sai do trabalho e tem um súbito mal-estar. O garoto do dia anterior não hesita em ajudá-la.
─ Moça, cê tá bem? – pergunta o menino com ar de preocupação.
─ Tô, tô, tô sim...
─ Certeza? – insiste o garoto.
─ Cert...
A garota nem consegue responder. Imediatamente desmaia, perdendo completamente os sentidos. Instantaneamente se inicia uma aglomeração em torno de Beatriz. Um homem vestindo terno e gravata se aproxima da multidão. Minutos após a chegada do estranho, a namorada de Marcel passa a recobrar a consciência. Acorda assustada e perguntando pelos seus pertences.
A multidão aos poucos se afasta e ninguém explica o que aconteceu com seus bens. Após o episódio, Beatriz nunca mais vira o menino. Suspeitava de que ele fosse o pequeno ladrãozinho. Perguntava-se quem mais poderia ter surrupiado seus documentos e relatórios da empresa.
Dois meses depois, Beatriz é demitida. Não era capaz de acreditar que tantas coisas ruins pudessem, num curto espaço de tempo, acontecer a uma pessoa só. Resolve então caminhar para espairecer. No trajeto, avista o menino, agora bem vestido e com as bochechas avermelhadas exalando saúde.
Num súbito extinto de vingança, atravessa a rua correndo. Aborda o menino, ofendendo-o de todos os palavrões que aprendera na vida. Surpreso com o vocabulário da jovem, o garoto começa a soluçar.
─ Moça, num to entendendo porque cê tá dizendo essas coisas aí pa eu...
─ Ora bolas moleque, você roubou todas as minhas coisas, na maior cara de pau!
─ Moça, com todo o respeito. Se eu quisesse te roubar, não teria te pedido um trocado, moça. Aquele dia eu ajudei a senhora que tava caindo que nem taquara podre no chão. Aí vem um moço bonito dizendo que era seu amigo e pegando suas coisas. O povo começou a se espaiar de novo quando o cara disse que ia buscar ajuda e já voltava. Tu acordou e eu peguei meu rumo. Umas horas depois, o moço arrumado veio falar comigo de novo, me oferecendo um monte de coisa legal se eu não falasse com ninguém o que tinha acontecido. Moça, ele deu até emprego pro meu pai. Bacana, né???
Beatriz ficou estarrecida. Perguntou ao garoto o nome da empresa na qual o pai estava trabalhando. Não teve dúvidas. Seu maior concorrente havia lhe dado o maior e mais sutil dos golpes. Ela não suspeitava da importância dos relatórios que carregava diariamente. Afinal, seus chefes nunca lhe davam muitas explicações.
Voltou para casa chorando de raiva. Justamente porque se dedicava tanto ao trabalho, desmaiou numa das avenidas mais movimentadas da cidade e aos olhos da concorrência. Caiu diante daqueles que a admiravam, daqueles que a invejavam e daqueles que muito mais que pedir ajuda, queriam estender a mão.